Sunday, August 22, 2010

FLIP: O Extermínio dos Entornos

por Dudu Pererê


Conheci a FLIP em 2006, fui no fusca do Filé de Peixe para agitarmos as ruas de Parati. Foi sensacional! Equipados com boa infra, na praça principal armamos o circo com banda de música, projeções em super oito, poesia e encenação. Pudemos nos apresentar sem problemas com a produção oficial do evento, pelo contrário, fomos incentivados por eles e englobados pela OFF-FLIP -produção paralela a da FLIP que tratava de perceber, receber e documentar as manifestações artísticas que se davam no entorno da FLIP e, claro, engrandeciam o evento. A produção era composta basicamente de moradores da região, muitos inexperientes, todos muito esforçados. Chegamos um dia antes, avisamos à produção e na hora combinada estavam lá registrando tudo. Todos estávamos munidos com nossos livros artesanais de poemas e vendemos o bastante para conseguirmos até dar uma passada em Trindade na volta. Dessa vez tivemos a felicidade de nos entrosarmos à trupe Poesia Maloqueirista de São Paulo, o que levou ao intercâmbio poético-marginal Rio-Sampa.
Em 2007 fui com Ivny e a esquete teatro-recital “Palavra Roupa a Cena” (dirigida por Eduardo Tornaghi) e apresentamos nas ruas passando o chapéu. Sobrevivemos bem e conseguimos voltar para casa. Foi ótimo. Dessa vez reparamos que a OFF-FLIP já não funcionava da mesma forma, agora já tinha a sua própria programação e alguns poucos registros das manifestações do entorno da FLIP foram feitas. Dizíamos então que éramos OFFOFF-FLIP, os Maloqueiristas tomaram a posição OFF-ofó. Em 2008 os RATOS DI VERSOS foram lançar o livro no OFF-ofó da FLIP. Nada de registros do entorno. Esse ano os Maloqueiristas fizeram o grande evento poético da rua principal do centro histórico: super-infra equipados com dois megafones, uma boa banda, rappers, poetas... Colamos com eles novamente e cumprimos bem a ocupação dos entornos com nossa arte sem teto, acostumada a tomar sereno serenamente, empenhada mesmo na conquista do nosso espaço, o público.
Em 2009 não fui e fiquei sabendo que houve apreensões de material literário dos vendedores dos entornos da FLIP. Dessa vez além de não apoiarem nem registrarem, começaram a repreender as manifestações artísticas do entorno. Nessa última edição, vi muitos seguranças e policiais dizimando as apresentações do entorno da FLIP e perturbando os escritores marginais que tentavam vender seus textos impressos. Oito anos de evento já foram o bastante para a produção tentar monopolizar os interesses do evento; e digo tentar porque o entorno ainda estava lá trabalhando duro pela arte, correndo dos seguranças, fugindo da polícia com astúcia e elegância. As ruas de pedras doidas do centro histórico de Parati estavam meio desanimadas de agitos literários, um sarauzinho num bar, outro no espaço cultural, mas as ruas de cachaças e pedras irregulares estavam cheias de pessoas e carentes de arte. A banda até começou a tocar, mas o policial veio dar um toque de ordem, educadamente mandou que o som parasse.
Mas na noite de sábado houve o grande encontro na rua de pedras desequilibradas com cachaças do centro histórico de Parati. Na frente da Igreja, Ratos Di Versos e Poesia Maloqueirista mais uma vez conseguiram acontecer em grandes proporções nas ruas de andar torto de pisar pedras doidas ancestrais do entorno de cachaças de Parati. Tudo começou dizendo poemas. Eram dois megafones, já estava bonito quando chegou mais um paulistano carregando um grande volume em um saco preto. Chegou rindo (fiquei com a impressão de que o rosto dele já nascera rindo) e um dos amigos de Sampa soltou no megafone: “Agora é que vai começar!”, o sorriso do sujeito retirou um atabaque e um berimbau da capa preta que trazia. Apoiou o berimbau no muro e se posicionou com o atabaque. Silêncio. As mãos do sorriso ergueram-se e desceram ágeis ao couro do instrumento. Aí sim começou, ritmo e poesia. Logo pulou uma rata carioca de agogô, outro com triângulo, apareceu um pandeiro e a festa cheia de surpresas nas ruas de pedras e grandes entornos de cachaças foi ficando cheia de pessoas. Ali pude sentir um dos sintomas da presença da aura artística, que inclusive nos protegeu com um campo de força contra as repressões da produção da FLIP. Seguranças e policiais viram e passaram por fora da capa invisível que nos protegia nas ruas pedregosas de entornos de cachaças em Parati. Ali estávamos protegidos pelos deuses da arte de rua, estávamos ávidos por aquele momento e ele veio nos brindar. Isso durou bem umas quatro, cinco ou dez horas(talvez até dez minutos). O tempo ali havia parado, ali o mais importante era o espaço conquistado e as manifestações que explodiam em exuberância, todas adequadas e bem vindas. As ruas de mirar e pisar pedras doidas irregulares e boas cachaças de Parati, espremem-se geograficamente entre São Paulo e Rio. Os poetas à margem dos planos da produção FLIP continuarão nos entornos exprimindo e entornando as bordas de qualquer planejamento excludente e autoritário que já domina os espaços particulares e agora tentam dominar o espaço público. A RUA É NOSSA E A NOSSA ARTE QUE NOS PROTEJA.

Foto: Natalia Areia


Sobre Comida e Visão

Eu vendo a vida inteira que paira,
vendo à vista que é defronte pro mar
-tírio do Eu.
Eu vendo...

Eu como o bicho inteiro que passa,
como o que tiver que, ou até de comer
-cializar-me.
Eu como...

Como todos
Vendo o mundo
apressado
a preço justo
mesmo sem saber o valor.
Hoje vendo-me por dentro,
vendo o verdadeiro amor.

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