Tem algum negro na platéia?Resolvi dar um pulinho em Paraty, mais especificamente região sul do Rio de Janeiro, na famosa feira internacional do livro.
Juntos estavam dois poetas: Pilar e Talapaxi, além de um intelectual alemão, que muitos acredito que já o conhecem como o inventor de um novo tipo de veículo modular (que pode ser transformado instantaneamente conforme a necessidade do usuário, mais ou menos como o brinquedo lego.)
Enquanto Pilar e Talapaxi, vendiam suas poesias a contra gosto dos organizadores, que proibiram todo tipo de comercialização nos arredores do evento, incluindo as poesias, como se poesia fosse algum tipo de droga.
Mas como estamos no Brasil, a vigilância foi afrouxando, afrouxando e depois liberou tudo.
Acho que a voz da sensatez chegou aos ouvidos dos organizadores.
E eu filmava tudo que de mais pitoresco achava no caminho. Acabei com isto descobrindo uma Paraty diferente da que vemos na grande mídia, um lado alternativo que gostei muito.
Fiquei bastante satisfeita com isto, pois pude notar uma quantidade razoável de negros, índios, caiçaras, poetas autônomos, artistas plásticos e outros tantos...
O ponto alto da festa se concentrou na praça principal, onde se via bonecos gigantes, correndo desesperados das crianças que tentavam a todo custo arrancar as máscaras dos coitados dos bonecos. No mesmo local foi instalado uma grande tenda, reservada para as crianças, ali acontecia o encontro dos autores infantis, e chamaram o lugar de Flipinha.
Logo ao lado, outra tenda com um telão que transmitia os debates que aconteciam ao vivo na tenda dos autores.
Foi ali no telão, que consegui ouvir o Chico Buarque, na verdade ouvia o ruído das suas palavras, devido à aglomeração, parecia que a Flip inteira se voltou para este momento. Chico leu alguns trechos do seu novo livro: “Leite derramado”, que me pareceu interessante.
Quanto a mim, logo cansei de tentar ouvi-lo, e resolvi dar umas voltas, foi então que encontrei os poetas maloqueiristas, também divulgando suas poesias.
Oh vida dura! A vida dos poetas... Depois dizem que poeta não gosta de trabalhar.
Ficamos hospedados em um camping, no meu caso foi à primeira vez, gostei muito... Quero repetir.
Conheci o pessoal da “OFF FLIP, na verdade uma flip underground, e olha que não fica a perder em nada para FLIP tradicional..
A OFF FLIP desenvolve várias atividades, dentre os quais: saraus, palestras, lançamentos de livros de escritores anônimos, e com isto aumentam as oportunidades para os artistas divulgarem os seus trabalhos.
Tive muita sorte, porque pude assistir a muitas palestras de alguns formadores de opinião: jornalistas franceses, americanos e outros, puderam desta forma conferir as vertentes do novo jornalismo.
Mas o grande momento da Flip, pelo menos para mim, foi na palestra do jornalista Simon Schama, quando uma pessoa da platéia, perguntou: O que o senhor acha da ausência de negros na platéia?
Ele em tom de brincadeira colocou os óculos, procurou calmamente e depois de constatar, disse: é verdade não tem mesmo, acho que isto foi um erro da FLIP!
Enquanto do lado de fora eu gritava ingenuamente, sem poder ser ouvida:
Como não, olha eu aqui, ei, ei, ei...
Mal sabia o tal experiente jornalista, que o "buraco" da FLIP, está em todos os segmentos da sociedade !
Claudia Canto, jornalista e escritora