Saturday, March 07, 2009

O golpe maloqueiro

por Rod Britto


Não é de hoje que conheço e reconheço esses marsupiais; de fato, ia eu à toa com eles por aí. Marsupiais, diga-se antes, aponta, acusa, entre outras, a família dos cangurus, animais que carregam suas crias em bolsas costuradas na barriga - e que, em saltos, alcançam altas velocidades atravessando campos e outras naturezas de briga, realidades hirtas, até profundezas morais, senão ao menos muito bem contornadas, sempre de volta ao habitat original; e se têm, o suor estampado no corpo, mas como não, nenhuma lágrima a cair, não: puxa, meu, posto! Essa cidade é uma desgraça de boa, e irrefutavelmente, sim, solte-me, agora! Animais de briga esses, até pugilistas acerca de nosso imaginário. Exatamente ou, respeitando-os ainda, por sua força e espaço-tempo indefiníveis, apenas mais ou menos eles como os maloqueiristas, flerte-nos dados, poetas rápidos como bichos soltos, lancinantes de si, terrívomos, carregando seus livretos e versos, fazendo venda e troca, movendo papo e cultura pelas ruas de sampa - São Paulo capital, inicialmente, mas que, logo, volva atrás, já!, atualize a nossa falta de pátio, um limite a transpassar, varar num salto, malocado e conseguido, sublimações em outro lugar, rodeios, croquetes, epifanias, enfim. Eles, os maloqueiros, os maloqueiristas, se sabem lá os próprios, deslanchando como tomando lanche dos outros, rebeldia consistente, chocolate com cachaça. O resto: marginalidade e crítica dos outros. Como também, de ontem, evito excessos, até para estar ainda na deles por aí, em se me permitindo a razão, não comendo muito do lanche. Arroto simples.
E hoje, meio acompanhando o que dá aqui do Rio de Janeiro (e quando pintam por perto, a agitar a resma), não foram só os limites territoriais os arremessados pelos poetas maloqueiristas - leiam-se esses os mais atuantes e desbravadores do nome: Berimba de Jesus, Pedro Tostes, Caco Pontes, e sem esquecer o fugido de nossas frentes, construtor de seus novos sentidos e realidade, o poeta regente Renato Limão, ainda embaralhando-nos a distancia, em só pensarmos ele, fazendo-nos trabalhar, grosseira e lividamente, à maneira de qualquer bondade e maneira gratuita, que de coração. Copas fora, iguais ou mais o foram, também arremessados com todo o peso, os poemas deles, Pedro, Berimba, Caco, esses que, pra agora, ganharam em muito com a publicação de seus novos livros, no formato padrão, também em muito reforçando as palavras antes já incontidas nos tantos livretos (até de costuras, herdai vossos filhos), como igualmente os borrifos de matérias, as represas espirituais na Revista Não Funciona (bi ou trimensal, só não mensura ou mente), da qual os três primeiros citados são os editores, quase irresponsáveis.
Eis. Como o espaço é curto e a minha preguiça às vezes pode ser maior ainda (desde que longe do meu aniversário, data que verifico só no dia ou na igual distância de meio-ano), como ingrata a máxima das minhas vontades (o que ainda seria pior a todos, e o estrago, sem saber mais o que fazer, como refletir aos golpes da arte e da memória, chamar o mar de cronista, jogar areia; rebelião, não; afasta com o amar, volta pra longe: mas caberá ainda a moderação?), não daria pra comentar nesse texto um a um, poeta e poemas, bem postos na praça pela Editorial Dix - Encarna, de Berimba de Jesus; Descaminhar, de Pedro Tostes; e O Incrível acordo entre o silêncio e o alter-ego, de Caco Pontes, ambos com força e parte nas delegacias do sucesso poético, a premissa que é sempre a dos outros, a dos melhores bicudos, ou, a esmo, entradas nos institutos de traumatologia nos sensitivos frágeis (dançou, neném! Aqui neles o buraco é ainda mais enfiado, coisa de beco sem saída, jamais antes percorrido ou rimaram; não fui eu quem o disse: o soluço independe, é truque em comportamento, desvirgina, marginal!; e se tu não deixou o romântico ir embora com a onda, a culpa é tua; lerás unicamente o que escreveres, sempre, e ainda assim será o último leitor; favor, um cura, de helicóptero, meu!; e que, notas gerais, institutos de referência é pra irmos à moda da garoa, dando cruzes nos ares, apesar de esses, se não ainda, já terem quase se nacionalizado, como atalhos gerais, aos nossos quebramentos cotidianos; ora, chame a polícia, manda dar queixa também; e aí, Renato, faz um tempão desses, hein, aqui que você esteve…). Aliás, também, os três livros são bem diferentes entre si e que eles mesmos, os Maloqueiristas, ao que me parece, fizeram questão de lançar-los ao mesmo tempo, conjuntamente, com a mesma editora, o formato, numa correria de divulgação e distribuição bem das deles; exemplares, além dos ferozes e capazes boca a boca, de porta em porta, nuns eventos maneiros com autor e tudo que é dever fazer, tudo que é direito do leitor não ter (guardados os mais anárquicos, quicando sós, computadorizando, num trancado entre parentes, nesse caso, pelo menos aqui, e a exemplo de outros na mesma área de texto, um apartamento grande-grande, de dois a três andares, titio joga na sala). Mas lembremos aqui dos saltos, os marsupiais e o imaginário; se bem tirados, guarnecidos como o são, beleza, é tiro e queda, ressuscitam! E aí fiz então questão de dar voto a essa coisa deles, de vazar os limites até entre si, e ser uma coisa só, de uma paulada, a lida deles como representação maior e generosa, malocada, o ato literário em si (acaso, restaram alguns limões de azar caídos por aí?, a vivermos entre razoáveis amigos; convido-os agora, já que a pobre faxineira não me veio tolher emocionalmente essa semana, arriscarmos versos subindo as paredes dos parênteses). Tá. Salvos de mim sempre, meus amigos, maloqueiristas na minúscula, aqui, não os separando por textos, falatórios de livro em particular, os parentes já colocados pra fora - um de vocês se lembra disso. Mas, e aí, decerto, posso ter restado infecundo, sem o que chupar, digno que fico de uma rebatida bem moderada, então, num gancho, meus amigos, se caso é que não escrevo só pra vocês, não tenham calma, discutimo-lo, apostai, mano, acorda com a postagem na ponta da língua. O posto. A praça. Ou por vezes a espécie. Esse texto fica então - ou não fica -, como de início reparei, apenas como um reconhecimento desses meus amigos batedores da pesada, que por sinal, também, ótimos poetas e agitadores, pra lá dos conflitos em verificar o peso das cadeiras sentando-se nelas, a alindar as rendeiras das datas importantes, parabéns!, rompendo-se em créu - que o malandro a tempo pula fora, e nas mãos, feito luvas, voantes, fecham borboletas nos livros - com toda a força, tipo do ser maloqueirista, traumatizado de São Paulo. Vale entrar pra ver qual é a deles. Não me pedem nunca nada; ou o que pensem. Que peçam. Pior: eu o faço. Pior que pode acontecer: desfazê-los. Ou nem ocorre isso; pra gente, os helicópteros são bem menos reais que os elefantes, pulando linhas. Então, só lamento; que perdão de poeta é o questionamento eterno e um apartamento vazio de verão. E que volto ainda, melhor, revolto, a dar chamadas deles sempre. De vocês então. Outros eu só ressorvo por contrato. Enquanto nós naquele abraço.


Rod Britto, 2009 - Rio de Janeiro/ RJ.
gratoporlembrar@gmail.com

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